Quarta, 16 de julho de 2025, 21:43
COLUNA

Isenção do IR até R$ 5 mil: Alívio Fiscal x Sustentabilidade Orçamentária

Por Tonny Kerley, Ph.D.

Com o prazo para a declaração do Imposto de Renda se aproximando, o debate sobre a tabela do IR volta ao centro das atenções. Em um contexto de perda de poder de compra e cobrança por maior justiça tributária, duas propostas ganharam destaque: a do governo federal, que propõe uma correção gradual da tabela, e a do Partido Progressistas (PP), apresentada pelo senador Ciro Nogueira, que defende a isenção total do IR para quem ganha até R$ 5 mil mensais.

Ambas as abordagens buscam aliviar a carga tributária das classes trabalhadoras, mas diferem quanto ao alcance e à estratégia de implementação. A seguir, analisamos os impactos econômicos, fiscais e sociais dessas propostas, e como elas se inserem no desafio maior da reforma tributária sobre a renda.

A Raiz do Problema: Uma Tabela Defasada Que Penaliza os Assalariados

A tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física está defasada há quase uma década. Desde 2015, a correção não acompanha integralmente a inflação, o que fez com que milhões de trabalhadores com renda modesta passassem a pagar imposto – mesmo sem ter tido aumento real de salário.

Segundo o Sindifisco Nacional, a defasagem acumulada já ultrapassa 150%. Em termos práticos, a tabela atual antecipa a tributação de rendas que, ajustadas pela inflação, deveriam estar isentas. O efeito colateral é uma compressão da renda disponível das famílias e o aumento da percepção de injustiça tributária.

Proposta do Governo: Correção Gradual com Responsabilidade Fiscal

A equipe econômica do governo federal, alinhada com as metas de equilíbrio das contas públicas, optou por uma estratégia de correção progressiva da tabela do IR. Em 2024, a faixa de isenção foi elevada para R$ 2.824,00, beneficiando trabalhadores que ganham até dois salários mínimos.

O objetivo do governo é ampliar a isenção de forma escalonada, acompanhando a capacidade fiscal da União e buscando preservar o espaço orçamentário para políticas públicas essenciais, como saúde, educação e segurança. Para compensar as perdas de arrecadação, o Executivo defende o aumento da progressividade tributária, com foco na tributação de grandes fortunas, fundos exclusivos e rendas no exterior (offshores).

Essa abordagem é respaldada por princípios técnicos de prudência fiscal e estabilidade macroeconômica, embora avance em ritmo mais gradual do que parte da população espera.

Proposta do PP (Senador Ciro): Expansão da Isenção como Estímulo Econômico

Por outro lado, a proposta apresentada pelo senador Ciro Nogueira, do PP, propõe isentar completamente do IRPF os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil por mês. A iniciativa busca ampliar o alívio fiscal à classe média e injetar dinamismo no consumo interno, estimulando a economia de forma direta.

Do ponto de vista político e social, a proposta atende a uma demanda legítima de correção da carga tributária sobre os trabalhadores formais. Além disso, ela está em sintonia com um modelo de política fiscal com viés expansionista, que vê no alívio tributário uma ferramenta para o crescimento econômico.

No entanto, do ponto de vista técnico, essa medida exigiria um debate mais aprofundado sobre os mecanismos de compensação. Estima-se que a renúncia fiscal possa alcançar R$ 50 a 60 bilhões ao ano, valor que precisa ser compensado para que as metas fiscais não sejam comprometidas.

Segundo o senador, os recursos poderiam ser realocados a partir de revisão de gastos, eliminação de privilégios e estímulo ao crescimento econômico, de forma que o impacto líquido da isenção seja sustentável no médio prazo. Trata-se de uma abordagem alternativa, com foco na expansão da renda disponível e no fortalecimento da economia doméstica.

Comparativo Técnico: Impactos de Cada Proposta

Critério

Governo Federal

Partido Progressistas (Ciro Nogueira)

Faixa de isenção proposta

Até R$ 2.824,00

Até R$ 5.000,00

Estratégia

Correção gradual

Ampliação imediata

Justificativa fiscal

Responsabilidade e previsibilidade

Estímulo ao consumo e justiça tributária

Impacto estimado

Controlado (~R$ 6 bi/ano)

Elevado (~R$ 50–60 bi/ano)

Compensação prevista

Aumento de progressividade no topo

Revisão de gastos e crescimento da arrecadação

Velocidade de aplicação

Moderada

Rápida

Análise: Duas Estratégias para o Mesmo Problema

Ambas as propostas partem de um reconhecimento comum: a atual estrutura do IR precisa ser modernizada e tornar-se mais justa. No entanto, os caminhos para alcançar esse objetivo são distintos.

A proposta do governo prioriza a sustentabilidade fiscal e tenta evitar desequilíbrios orçamentários, mesmo que ao custo de avanços mais lentos. Já a proposta do PP aposta em um alívio fiscal mais amplo e imediato, com potencial de ampliar o consumo e devolver poder de compra à classe média, apostando na eficiência econômica da desoneração da base.

Trata-se, portanto, de dois paradigmas de política tributária: um mais conservador no fiscal e gradualista, outro mais expansionista e redistributivo. Nenhum dos dois está isento de desafios. O sucesso de qualquer proposta dependerá da sua integração com outras medidas estruturantes, como reforma administrativa, revisão de subsídios e reestruturação do sistema de arrecadação.

Conclusão: Justiça Fiscal Exige Consistência e Planejamento

Corrigir distorções na tabela do imposto de renda é um passo necessário para restaurar a confiança do cidadão no Estado e no sistema tributário. A questão central não é apenas o valor da faixa de isenção, mas a coerência entre desoneração da base e sustentação das políticas públicas.

A proposta do senador Ciro Nogueira traduz uma demanda legítima por justiça tributária e alívio à classe média, e deve ser debatida com seriedade. Assim como a proposta do governo, exige equilíbrio entre intenção política e capacidade fiscal. O que se impõe, portanto, é um pacto nacional que una as forças políticas em torno de uma reforma tributária justa, moderna e sustentável.

O contribuinte não quer mais esperar. E a política não pode mais adiar.

Tonny Kerley, Ph.D., é economista, administrador e professor universitário, com atuação em políticas públicas, gestão tributária e análise macroeconômica.

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